domingo, 20 de noviembre de 2016

OBESIDADE, INCLUSÃO E OS PROBLEMAS DA ACESSIBILIDADE

Falar de obesidade pode gerar controvérsias, principalmente se está associada a uma deficiência. Pensar que uma pessoa obesa é uma pessoa deficiente produz nos indivíduos uma exclusão da própria condição, acreditando que uma deficiência se relaciona com aspectos de outa índole. Porém, se pensamos que uma doença produz uma deficiência e limita à pessoa à realização de atividades que poderia fazer em outras circunstâncias ou como quase todas as pessoas fazem, começamos a compreender que a obesidade também requer cuidados e políticas de inclusão, assim como também pensar na acessibilidade.
A obesidade, em casos extremos, produz incapacidade social, como consequência do isolamento que acontece na maioria dos casos, geralmente pela constante forma como as outras pessoas ferem suas sensibilidades, fazem piadas ou riem dos seus corpos e aparências. O preconceito se gera porque a sociedade em geral pensa que a obesidade está associada ao descuido com a saúde ou à falta de cuidados estéticos, de vontade, ou porque a pessoa é ociosa e despreocupada. Atualmente, a obesidade infantil tem crescido significativamente e gera graves situações nas escolas, como as críticas depreciativas, comentários cruéis e até bullying.
Nos casos extremos, a obesidade também produz incapacidade física, acontecendo que muitas pessoas, por causa do sobrepeso, não têm mobilidade nem na sua própria casa, sendo impedidas de tomar banho ou realizar a troca de suas roupas. Pensando em serviços básicos e ações quotidianas, os espaços não estão pensados para pessoas obesas, sendo um grave problema subir uma escada, sentar em um cinema, passar em portas giratórias nos bancos e comércios, aviões, taxis, entre uma incontável quantidade de situações. É compreensível que sob esta realidade o isolamento pareça a melhor resposta para essas pessoas, não sendo um problema visível para o resto da sociedade.
O culto da beleza faz com que cada dia mais pessoas valorizem o fato de serem magras como uma condição para serem belas e aceitas, produzindo um sentimento de inconformidade com seu próprio corpo. A vida moderna favorece o sedentarismo, sem termos tempo para atividades físicas, além da má qualidade da alimentação, com produtos altos em calorias e com pouco valor nutricional, agravando os problemas em crianças e adultos. Na adolescência essa realidade resulta em que muitos jovens escolham as intervenções cirúrgicas invasoras para resolverem seus problemas, muitas das quais são somente parciais. Contudo, o problema não se discute na sociedade como deveria, levando às pessoas obesas a ações radicais para subverter seus problemas, como é o caso de automedicação.  
É por esses e outros motivos graves que a obesidade deve ser tratada como uma deficiência e um problema social que necessita gerar transformações nas políticas de acessibilidade e inclusão, com a finalidade de não isolar os indivíduos, permitindo-lhes a circulação e serviços básicos, independente da sua situação específica.
O sofrimento de uma pessoa obesa não está relacionado somente à falta de mobilidade ou aos tratamentos que surgem por motivos de doenças que a obesidade gera, encontrando-se principalmente no preconceito social e histórico que temos, porque os obesos sempre foram vítimas de agressões, piadas e violência física. Por esse motivo, como fazer com que a rejeição social se torne inclusão e acessibilidade? Acredito que a acessibilidade poderia ser o primeiro passo para a inclusão, já que institucionaliza as práticas sociais a favor da pessoa com dificuldades e permite que se identifique uma solução ao problema, antes que um problema que gere o preconceito. Por exemplo, se uma pessoa obesa intenta entrar por uma porta que não tem o tamanho adequado, poderia gerar uma situação desconfortável para ela e, provavelmente, geraria piadas e comentários. Porém, se uma porta está visivelmente adequada e sinalizada para o uso de pessoas obesas e com uma referência adequada à situação, outra poderia ser a reação das pessoas, como quando acontece com cegos ou cadeirantes.
A obesidade, a diferença de outras deficiências, existe em um processo constante que interfere com a qualidade de vida da pessoa, dependendo das circunstâncias atuais ou futuras e que, de forma equivocada, se confunde com uma questão de maus hábitos. Devemos lembrar que: “a inclusão não é um processo isolado, e sim parte de uma cultura que considera todos os indivíduos diferentes entre si, e que cada um tem a sua limitação. Assim, na construção de um mundo sem segregações, podemos utilizar princípios que permitam o acesso universal aos espaços”.
Os espaços adaptados de maneira acessível, baseados nos princípios do desenho universal: igualitário, adaptável, obvio, conhecido, seguro, sem esforço e abrangente, geram a possibilidade de inclusão de todas as pessoas que possuem dificuldades específicas, sem padrões nem acesso limitados sobre a base de uma incapacidade premeditada como pensamos geralmente.
Com respeito à acessibilidade urbana, assunto que deve ser pensado por todos nós, como cidadãos e como educadores, conforme os materiais proporcionados nas nossas aulas, percebemos que as visitas a museus, parques e teatros, também devem ser pensadas de acordo com os critérios universais, atividades que vêm crescendo com propostas adaptadas segundo o modelo do Desenho Universal.
Assistindo o vídeo que mostra a acessibilidade do Museu da Inconfidência em Ouro Preto, é impossível não pensar no tamanho da cadeira de rodas, ferramenta indispensável para a acessibilidade de pessoas nesses espaços, porém, pensadas dentro do padrão de homens e mulheres magros.
Para finalizar minha intervenção, considero importante que a acessibilidade se construa de forma social e com a participação de todos os cidadãos envolvidos direta ou indiretamente nos espaços e situações particulares, constituindo-se dessa forma, políticas sociais de intervenção cidadã que experimentem com formas não padronizadas, abrindo a possibilidade de acesso universal e com critérios universais reais.


     #PraCegoVer   
   Na imagem, uma mulher com obesidade está se levantando de uma cadeira de rodas adaptada ao seu tamanho. Utiliza um andador para se apoiar enquanto outra pessoa mantem firme a cadeira. 

viernes, 23 de septiembre de 2016

A pessoa com deficiência na minha história de vida

O ENCONTRO COM PANCHITO

Nasci na Capital do Uruguai, Montevidéu, no ano de 1978.  Meu primeiro contato com uma pessoa deficiente foi na escola, quando tinha quatro anos. No início do “jardín de infantes”, primeira vez em uma escola, o contato direto com outras crianças é uma festa. Rapidamente a amizade acontece sem nenhuma dificuldade, ser criança é isso, amizade sem preconceitos nem medos. Nessa idade, todos somos iguais, mesmo identificando algumas mínimas diferenças, porém, nada impede que a felicidade de compartilhar jogos e brinquedos seja o mais relevante.
Nessa etapa crescemos muito rápido e a percepção dessas diferenças acontecem quando começamos a nos comparar. Até então, não tinha percebido que um dos coleguinhas não havia se desenvolvido como o resto das crianças, aliás, não era o único diferente nele, já que seus braços e pernas eram muito grossos e a sua cabeça maior do que o normal para a sua idade (ainda lembro, com sentimentos adversos, a maneira como eu tomei consciência do seu corpo, sua forma, e da estranha possibilidade de que alguém não fosse como o resto de nós).
É verdade que eu só tinha quatro anos, quase cinco, e que ainda estava tentando entender que “eu era eu”, os corpos dos adultos e as incríveis diferenças entre ser homem e mulher, no físico e nos comportamentos, incitados por uma sociedade machista. Os poucos, porém, marcantes avessos da socialização primária, já estavam incorporados no meu comportamento. Já era capaz de ter preconceitos e discriminar, mesmo que fosse por imitação e não por convicção. Foi assim que em uma reunião de pais, uma festinha do “jardín”, alguns adultos comentaram:
-“Como cresceram essas crianças, meu Deus! ”
-“Quase todas, porque o pobre Panchito...”, (risos).
Perguntei para a minha mãe o porquê do que estava acontecendo com o Pancho (Francisco), e ela me respondeu:
- O Pancho é anão. Os anões não crescem e é muito provável que não chegue a ser adulto, porque morrem muito jovens.
Aquela sincera e impressionante revelação da minha mãe deixou em mim uma forte impressão. Nesse momento eu esqueci por completo o que o Pancho tinha, seu corpo e as brincadeiras quando passava por debaixo das pernas da professora, quase sem dobrar os joelhos. A partir desse dia o Pancho foi meu melhor amigo, até o dia que o trocaram de escola.
Nunca mais tive notícias do Pancho. Lembro, já de adulto, que alguém da minha família comentou sobre a morte do anão, aquele que era o companheiro do Héctor na escola. Não foi uma surpresa, eu já sabia.  




 Foto do ano 1983. Panchito é o primeiro menino da terceira fila de cima para baixo (da esquerda para a direita da foto) Escola Pública do Uruguai.